segunda-feira, 27 de abril de 2009

Entre erros e acertos - Crítica sobre "Maria Stuart"

Em cartaz no teatro do Centro Cultural Banco do Brasil, o espetáculo Maria Stuart conta a história do embate entre duas rainhas – Maria Stuart, da Escócia e Elizabeth I, da Inglaterra.

O texto, de autoria de Friedrich Schiller e tradução de Manuel Bandeira, data de 1800. Sua narrativa vai muito além de uma simples tragédia histórica. Schiller nos apresenta personagens dotados de múltiplas dimensões. Eles evoluem ao longo da  trama não apenas guiados por seus instintos e convicções. Em diversos momentos eles abdicam de suas próprias vontades e  acabam sendo guiados por atos  coerentes com a função social e cargo político que ocupam, criando um interessante duelo entre o querer e o poder, numa equação bem balanceada pelo autor. Existe a ação pelo impulso. Existe a ação pelo raciocínio. Os personagens combinam maquiavelismo e romantismo.  São vítimas e algozes.  Tais artifícios garantem a eles um  aspecto de humanidade. A todo momentos são expostas suas qualidades; medos e defeitos.

Dirigida por Antonio Gilberto, a atual montagem opta por uma estética mais contida, quase beirando o realismo. Optou-se por abrir mão de qualquer grandeloquência que pudesse mascarar ou potencializar as situações vividas no palco.

 Tal linguagem também pode ser observada na simples, competente e funcional cenografia de Helio Eichebauer.

A iluminação de Tomás Ribas oscila entre o econômico e o excessivo, tornando-se por vezes incoerente, porém conseguindo alguns momentos plasticamante muito interessantes e sendo bastante eficaz em boa parte da apresentação.

Indiscutivelmente o ponto alto da peça são as interpretações. Elas conseguem de forma profunda e sutil materializar no palco com competência as emoções de cada personagem. A exceção fica por conta do insosso Mortimer, vivido por Renato Linhares. Se por um lado a interpretação de Linhares pouco acrescenta à encenação,   também não chega a prejudicar. Entre os homens, destaca-se Ednei Giovenazzi representando Melvin, mordomo de Maria Stuart. Sua pequena participação na peça é  marcante, conseguindo causar comoção à plateia. Dentre as atrizes, somos brindados com uma Julia Lemmertz defendendo com maestria o papel título. Entretanto, Julia não está sozinha nessa empreitada. Ela se vê obrigada a dividir o  foco das atenções com Clarice Niskier, vivendo uma irretocável e altiva Elizabeth I.

Maria Stuart é um espetáculo de muitos acertos, mas possui uma grande falha: Seu ritmo. Do início até o intervalo é tudo muito ralentado, criando no espectador um cansaço físico e fazendo-o sentir o peso de cada minuto das  três horas de duração da peça. Essa é a deixa para que pessoas acabem cochilando. Algumas tiram proveito do intervalo para discretamente abandonarem o teatro; deixando assim de assistir uma segunda parte um pouco menos arrastada, com movimentações mais interessantes e interpretações mais intensas.

A direção apresenta-se em alguns momentos como funcional e correta, e em outros errônea e desleixada. Como explicar os segundos em que não acontece absolutamente nada nas mudanças de uma cena para a outra, a não ser um palco vazio e o público esperando pelo próximo acontecimento? Falta fluidez nas ligações. Num contexto geral, podemos dizer que o trabalho do diretor configura-se como mediano; numa montagem que privilegia demais o texto e acaba deixando a encenação para segundo plano.

Se visto por olhos pacientes e bem dispostos, o espetáculo acaba oferecendo momentos inesquecíveis.

Um Pinter de peso

Assistir a belas montagens de importantes dramaturgos da história do teatro é sempre um prazer especial. É o que acontece com “Traição”, de Harold Pinter, dirigido por Ary Coslov. Um dos grandes destaques do palco carioca dos últimos meses, o espetáculo, repleto de humor e ironia, consegue criar uma linguagem cênica que se encaixa na dramaturgia de Pinter, mantendo o interesse do espectador do início ao fim.
A peça conta a história de uma traição. À primeira vista, um tema simples e até mesmo clichê. Mas, contrariando as expectativas, em Pinter a trama é apresentada em ordem cronológica inversa. Com o mote de um reencontro de duas pessoas que foram amantes no passado, o texto mostra os acontecimentos de trás pra frente, de acordo com a memória dos personagens, com lembranças imprecisas e falhas. Harold Pinter, vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 2005, é famoso por suas personagens de definição incompleta e de passado desconhecido, com histórias que dispensam justificativas e causalidades. Embora nesse texto em particular seja possível conhecer um pouco mais da vida dos protagonistas Emma, Robert e Jerry do que no resto de sua obra, ainda assim só temos acesso a esse conhecimento a partir do ponto de vista da memória, que é marcado por imprecisões e distorções.
Respeitando a linguagem de Pinter, direção e elenco souberam muito bem como manter o ritmo da cena, com momentos de diálogos rápidos e ligeiros e outros de enormes pausas e silêncio, tão característicos da dramaturgia do autor inglês. Os atores, aliás, são um destaque à parte na montagem. Leonardo Franco, indicado ao prêmio Shell, empresta a Robert, o traído, uma frieza e um ar de superioridade que compõe muito bem seu personagem; Isabella Parkinson, no papel de Emma, faz uma excelente transição de idades ao longo da peça, variando entre uma senhora amargurada cujo casamento não vingou e uma jovem apaixonada e cheia de sonhos para o futuro; Isio Ghelman, por sua vez, faz um Jerry bastante tenso e nervoso em relação à descoberta da traição, com os sentimentos à flor da pele, sendo, por isso, um contraponto a Robert.
O cenário de Marcos Flaksman é muito bonito e ressalta a importância desse elemento cênico na dramaturgia de Pinter, representando os interiores domésticos. Um único ponto negativo da produção é no que diz respeito às passagens de cena. Com a constante mudança do local da ação e com o cenário muito rico em detalhes, cada transição demanda um tempo muito grande para a movimentação de camas, mesas e cadeiras, fazendo com que essas passagens se tornem um pouco cansativas.
Esse problema, no entanto, praticamente desaparece diante da bela montagem, que consegue manter todos os seus elementos – texto, direção, interpretação iluminação, etc. – harmonicamente equilibrados. “Traição” está temporariamente fora de cartaz, mas voltará a ser apresentada no Centro Cultural Solar de Botafogo a partir do dia 23 de maio.

domingo, 26 de abril de 2009

Sobre o suicídio

A estréia, no Espaço SESC, do mais recente espetáculo da Cia. Ensaio Aberto, não foge à linha de atuação artística do grupo, que tem no engajamento político sua marca registrada. Aqui, o material utilizado pelo encenador Luis Fernando Lobo é um artigo pouco conhecido do filósofo alemão Karl Marx, publicado em 1846, que por sua vez, utilizou-se de fragmentos de memórias, publicadas pelo diretor dos arquivos da polícia francesa, Jacques Peuchet, também no século XIX, onde relatava casos de vítimas, em sua maioria, mulheres de origem burguesa, que resolveram se matar por motivos particularmente reconhecíveis àquele meio social: pressão familiar e da sociedade, autoridade paterna, dominação do sexo masculino sob o feminino e por aí vai.

A linguagem do espetáculo é completamente narrativa, preferindo o encenador trabalhar com o material bruto do texto de Marx, ou seja, o espectador assiste, ou melhor, ouve, através dos atores, o conteúdo do artigo escrito pelo pensador alemão. Em Sobre o suicídio, o texto é pronunciado de forma crua, sem que haja, no ato da narração, qualquer resquício de construção de personagem. Aliás, não há personagens mimeticamente elaborados e vividos em cena, que dialogam entre si como numa dramaturgia convencional. O que há, ali, é o texto, um grande e pesado bloco de palavras e suas diversas formas de enunciação.

O elenco formado por Fernanda Avellar, Françoise Berlanger, Tuca Moraes e Luis Fernando Lobo, ora intercalam as réplicas, ora dizem, todos ao mesmo tempo, as passagens extraídas do artigo de Marx, numa polifonia que põe, de igual para igual, a voz dos atores (uma atriz estrangeira integra o elenco), a trilha sonora de Felipe Radicetti, a iluminação rigorosa de Jeff Dubois que auxilia na criação de espaços e de imagens que se desprendem da narrativa, principalmente nos casos relatados em primeira pessoa, além das várias projeções em vídeo, utilizando documentários de razoável repercussão no debate social, elaborados por Batman Zavareze e Fábio Ghivelder. Todos estes dispositivos juntos, não só contribuem para preencher todo espaço da cena, como também perturbam, positivamente, a concentração da platéia-ouvinte. Todos estes signos, auxiliados pelos poucos adereços cênicos manipulados pelos atores, preenchem o palco. Encaro este ponto de vista como um interessante desafio para quem está no lugar do público, pois o espetáculo exige tanto um espectador atento quanto uma atenção redobrada ao que está sendo dito em cena, retirando a platéia do lugar confortável da pura contemplação. A encenação, neste caso, funciona como um verdadeiro embate entre o que é dito-lido, quem fala-lê e quem ouve.

A intermidialidade, tematizada na projeção das imagens, funciona como uma espécie de janela que se afasta brevemente do quadro social do século XIX e dos relatos das suicidas, narrados por Peuchet, mas que se relaciona na reflexão dos problemas contemporâneos, que ainda são encarados como tabu, como pudemos assistir na projeção do trecho em que acompanhamos mulheres humildes relatarem seus casos de aborto. Neste caso específico, o diálogo estabelecido se dá na identificação, nos dias de hoje, de casos que também deveriam ser tratados pela saúde publica, porém são negligenciados pelas autoridades, por questões tanto morais quanto religiosas - como o suicídio, detectado por Marx em seu artigo - evidenciando ainda mais os sintomas de uma sociedade doente e abandonada à própria sorte.

Elogios à parte, é necessário dizer que alguns atores, pelo menos no dia da estréia, ainda não tinham encontrado o tom certo de pronunciar o texto, incorrendo em visíveis erros de marcação e em exageros de vocalização, falando o texto de forma gritada, mesmo com a utilização do microfone. Acredito também que alguns minutos a menos seriam bem vindos para que a platéia pudesse encorpar melhor, tanto a denúncia contida nos escritos de Marx, quanto a proposta estética da companhia neste espetáculo, pois ficou nítido que o cansaço pairou sobre a platéia do SESC no dia da estréia. Mesmo assim, considerando que estas ressalvas possam ser verificadas no decorrer da temporada, considero um espetáculo sério, político e também, contrariando ao que muito foi dito, teatral.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Maria Stuart

Junto ao segundo estrondo soado no Teatro I do CCBB, as cortinas se abriram de súbito, numa velocidade que difere, geralmente, da lenta maneira de revelar o espaço cênico por trás dos panos. O tom era de assombro, de urgência, e já nesse instante preliminar, o clima carregado que iria permanecer durante toda a encenação de Maria Stuart foi definido. Ou melhor, foi apenas reafirmado pela escolha do diretor Antonio Gilberto, pois é o clássico texto de Friedrich Schiller que dita as regras.

O imenso praticável de madeira que ocupava a maior parte do palco reduzia a movimentação da personagem-título, na pele de Julia Lemmertz, ao curto espaço frontal. A condição de prisioneira de Maria Stuart estava fisicamente representada, concomitantemente à sua posição acuada diante do conflito pessoal e moral com sua prima Elizabeth, rainha da Inglaterra. Desta forma, o texto de Schiller insere os conflitos pessoais das duas personagens num contexto histórico – uma das marcas dos últimos trabalhos do dramaturgo alemão -, criando um forte teor político na peça. A relação entre os principais países europeus no tempo narrativo (século XVI), por exemplo, se evidencia através das ações de todas as personagens em cena, e tal questão política é determinante, inclusive – e principalmente -, para a relação entre Elizabeth e Stuart.

O problema é que as duas atrizes principais não conseguem inserir a força necessária para as personagens com suas interpretações. Julia Lemmertz parece ter cada movimentação e gestos tão ensaiados, que acaba por apresentar uma atuação mecânica e por demais contida, ainda que se aproxime do tratamento ideal à personagem; por sua vez, Clarice Niskier soa mais natural no palco, mas era de se esperar uma vitalidade maior de sua Elizabeth, resultando cenas tão importantes, como a da assinatura do decreto para a morte de Maria, em momentos frios. O melhor do elenco fica por conta dos coadjuvantes Mário Borges e André Correa, os quais roubam a atenção quando em cena, seja pela naturalidade ao representar, seja pela concepção dada aos personagens.

Helio Eichbauer reconhece a densidade do texto e cria uma cenografia eficiente, prática e plasticamente discreta, em que apenas a textura crua da madeira predomina, mas opta por forrar o chão do palco com um vermelho intenso que dialoga com os figurinos de Marcelo Pies. Estes, além de visualmente atraentes – principalmente quando as cores se contrastam -, carregam informações importantes acerca dos personagens. Ambos os aspectos valorizados pela iluminação de Tomás Ribas, que dramatiza - como prova a última cena - e embeleza com seus efeitos (nota para o belo contra-luz que preenche o palco a cada movimentação de cenário).

Porém as quase três horas de peça podem causar desconforto; afinal, o texto de Schiller não é dos mais fáceis e a tradução de Manuel Bandeira mantém um português arcaico, preservando a estrutura em verso do original. Se a direção de Antonio Gilberto acerta na estética da peça, falha ao conceber uma encenação que não enriquece o texto, nem o faz alcançar proporções maiores, negligenciando, na maior parte do tempo, o pré-requisito de qualquer espetáculo teatral: atingir o espectador.

Jefferson Ribeiro

Maria Stuart

Mais um clássico da dramaturgia nos palcos cariocas.

A obra em questão foi escrita entre 1799 e 1800 pelo dramaturgo alemão, contemporâneo, compatriota e amigo de Goethe, Friederich Schiller e narra desde a prisão da monarca escocesa Maria Stuart em solo inglês ao fictício encontro com sua rival, apesar dos laços sanguíneos, Elizabeth (da Inglaterra). A obra tem como foco não só trazer a cena fatos históricos de disputas entre Estados e Igrejas mas sobretudo, exaltar os aspectos humanos e individuais de cada uma das protagonistas, e o árduo, penoso e imoral trabalho para se manterem no poder como absolutistas de direito divino.

A direção de Antonio Gilberto é eficiente na busca do sentido da obra de Schiller e segue, quase que à risca (com exceção de alguns vocábulos) a tradução feita por Manuel Bandeira em 1955, com versos iâmbicos severamente ordenados. Ponto forte é a iluminação de Tomás Ribas que acerta ao criar uma atmosfera ora tensa, ora ofuscante às nossas vistas para exaltar a força da monarca inglesa. Os figurinos de Marcelo Pies, mesmo com um toque contemporâneo, situam bem as alianças camufladas das nações em questão, pois os brasões de cada país são bem visíveis em cada personagem. O cenário de Helio Eichbauer é eficiente e discreto como se deve ser diante de um texto tão rico.

A atuação de Julia Lemmertz (Maria Stuart) até o terceiro ato é um tanto exagerada: no intuito de transmitir a indignação de sua personagem, acaba por extrapolar nos trejeitos e no gestual, o que causa a impressão de ser um fantoche manipulado por um titereiro. Melhora muito do quarto ato em diante, quando segue, resignadamente, para seu triste fim. Clarice Niskier (Elizabeth), ao contrário de Julia, está impecável, muito convincente e segura na pele da soberana. O restante do elenco cumpre bem seu papel, merecendo destaque o ator André Correa que interpreta o ambíguo conde de Leicester e Amelie Bittencourt como ama de Maria.

No geral a montagem é boa e cumpre sua função, digamos, didática para com o iniciado ou pertencente ao meio teatral. Mas lanço uma pergunta: será que foi a proposta do autor ser hermético e restringir a peça a um público específico?

terça-feira, 14 de abril de 2009

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