Assistir a belas montagens de importantes dramaturgos da história do teatro é sempre um prazer especial. É o que acontece com “Traição”, de Harold Pinter, dirigido por Ary Coslov. Um dos grandes destaques do palco carioca dos últimos meses, o espetáculo, repleto de humor e ironia, consegue criar uma linguagem cênica que se encaixa na dramaturgia de Pinter, mantendo o interesse do espectador do início ao fim.
A peça conta a história de uma traição. À primeira vista, um tema simples e até mesmo clichê. Mas, contrariando as expectativas, em Pinter a trama é apresentada em ordem cronológica inversa. Com o mote de um reencontro de duas pessoas que foram amantes no passado, o texto mostra os acontecimentos de trás pra frente, de acordo com a memória dos personagens, com lembranças imprecisas e falhas. Harold Pinter, vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 2005, é famoso por suas personagens de definição incompleta e de passado desconhecido, com histórias que dispensam justificativas e causalidades. Embora nesse texto em particular seja possível conhecer um pouco mais da vida dos protagonistas Emma, Robert e Jerry do que no resto de sua obra, ainda assim só temos acesso a esse conhecimento a partir do ponto de vista da memória, que é marcado por imprecisões e distorções.
Respeitando a linguagem de Pinter, direção e elenco souberam muito bem como manter o ritmo da cena, com momentos de diálogos rápidos e ligeiros e outros de enormes pausas e silêncio, tão característicos da dramaturgia do autor inglês. Os atores, aliás, são um destaque à parte na montagem. Leonardo Franco, indicado ao prêmio Shell, empresta a Robert, o traído, uma frieza e um ar de superioridade que compõe muito bem seu personagem; Isabella Parkinson, no papel de Emma, faz uma excelente transição de idades ao longo da peça, variando entre uma senhora amargurada cujo casamento não vingou e uma jovem apaixonada e cheia de sonhos para o futuro; Isio Ghelman, por sua vez, faz um Jerry bastante tenso e nervoso em relação à descoberta da traição, com os sentimentos à flor da pele, sendo, por isso, um contraponto a Robert.
O cenário de Marcos Flaksman é muito bonito e ressalta a importância desse elemento cênico na dramaturgia de Pinter, representando os interiores domésticos. Um único ponto negativo da produção é no que diz respeito às passagens de cena. Com a constante mudança do local da ação e com o cenário muito rico em detalhes, cada transição demanda um tempo muito grande para a movimentação de camas, mesas e cadeiras, fazendo com que essas passagens se tornem um pouco cansativas.
Esse problema, no entanto, praticamente desaparece diante da bela montagem, que consegue manter todos os seus elementos – texto, direção, interpretação iluminação, etc. – harmonicamente equilibrados. “Traição” está temporariamente fora de cartaz, mas voltará a ser apresentada no Centro Cultural Solar de Botafogo a partir do dia 23 de maio.
segunda-feira, 27 de abril de 2009
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