segunda-feira, 6 de julho de 2009

CRÍTICA MOFADA APELA PARA A CENSURA

Amigos, recebi este texto por email e acho interessante que este debate ocupe o espaço do nosso blog.

"A critica teatral Bárbara Heliodora ultrapassou, em sua coluna em O Globo (25/6/09), o limite da lei da civilidade. Ela fez um apelo à lei da censura (começando por uma negação imediatamente desmentida), tal como existiu na época da barbárie da ditadura em nosso país. “Sou e sempre fui contra a censura, porém creio que deveria existir uma lei que impedisse o uso indevido e abusivo de nomes de autores famosos e mortos, impossibilitados, portanto, de se defender contra incidentes infelizes e desastrados como, por exemplo, o lastimável espetáculo em cartaz no SESC Copacabana intitulado “As ridículas de Molière”.

Pavoneando-se de grande defensora dos clássicos, ela usurpa o lugar vazio da interpretação para se colocar como guardiã do Arte Absoluta e herdeira testamentária dos mestres de teatro. Até quando, pergunto agora, essa senhora continuará, impunemente, destilando seu ódio aos artistas e satisfazendo seu sadismo desenfreado aos que ousam fazer arte neste país?

Com sua crítica mofada, grosseira e virulenta, Bárbara Heliodora vem prestando um desserviço à arte teatral no Brasil devido ao espaço que lhe é conferido em um dos jornais de maior circulação no país. Não são todos os leitores que conseguem ler pelo avesso a mensagem já evidente para muitos: “Ela não gostou, então vá!”.

Desrespeitando os artistas de teatro, agredindo-os e acusando-os de assassinato (cf. “Shakespeare cai morto no Leblon”) as “ridículas de Bárbara” lançam seus perdigotos venenosos aos que tocam, com uma linguagem contemporânea, em “seu patrimônio” como Sófocles, Shakespeare, Molière. Em nome de quê? De uma pseudo-erudiçã o que não passa de impostura. A arrogância não escamoteia a ignorância: ela a revela. Há muito Barbara Heliodora não se atualiza em sua leitura paralítica. Isso não seria o grande problema, se ela não se colocasse em sua coluna, como o grande Outro, arauto da Lei, da Verdade e da Arte, de todos os “raquíticos seres” da classe teatral.que ela menospreza e humilha. A ponto de dar como título dessa crítica “Desastre joga na lama o nome de autor francês”.

Atenção, Bárbara Heliodora, aquele que se julga o Outro dos outros é a própria definição do canalha – traço que se encontra em ditadores paranóicos que fizeram a história das maiores devastações! Ainda bem que essa senhora não ocupa nenhum cargo de poder, pois, seria pior que a Rainha de Copas da Alice de Lewis Carrol, cujo bordão “Cortem-lhe a cabeça!” é tanto sinal de crueldade quanto de escárnio. Não é o que tenta fazer no papel? Poderíamos dizer, como o fez um colega de sua geração: “Ela só elogia os amigos”, ou, quando lhe interessa posar de santa, assoprar depois de morder, mastigar e cuspir.

Tão erudita, a defensora de Molière perdeu a oportunidade de informar ao público que Preciosa foi um movimento feminista do século XVII na França liderado por mulheres cultas e refinadas que adotaram uma nova modalidade do amor (amizade amorosa e o direito da mulher no amor) permeada por um novo código de linguagem revolucionário, pleno de imagens e metáforas, em contraposição aos pedantes. Molière, por sua vez, ao escrever As preciosas ridículas, diz em seu prefácio: “Eu quis mostrar que as coisas mais excelentes estão sujeitas a serem copiadas por macacos ruins (...) as verdadeiras preciosas não devem se sentir feridas quando encenamos as ridículas que as imitam mal”. Mas, isso não interessa Bárbara Heliodora, e sim em suas preciosas críticas ridículas e ofensivas linhas, dizer que o elenco dá “guinchos e pulos”.

Que tal reler (ou ler) A crítica do juízo de Kant. Desculpe, pode ser um pouco indigesto, mas é um clássico. Ok, pode se inspirar em Barthes, ou se reciclar em algum programa de pós-graduação atual. Suas preciosas reacionárias desviam a atenção do principal: a função do crítico de arte, que é a de informar, localizar a obra e o autor, tecer considerações sobre o texto e a encenação e orientar os artistas envolvidos. A coluna de jornal não deveria ser o lugar para os críticos satisfazerem sua pulsão de morte na vã tentativa de perpetrarem assassinatos de carreiras. Ela chega ao cúmulo de acusar o espetáculo do Espaço SESC de mal-intencionado. E qual seria, minha senhora, a má intenção dos atores e da diretora? Não estaríamos diante de um caso banal de projeção? Aquilo que acusas no outro é teu, elementar não?

Em O quadro de uma execução, peça do dramaturgo Howard Barker, celebrado este ano em Paris como um grande representante do teatro inglês contemporâneo, encontramos o diálogo entre Rivera, crítica de arte e Urgentino, doge de Veneza. “Rivera: O crítico tem medo do artista e inveja seu poder. Ele tem vergonha do que ele acredita secretamente ser um dom inferior: o dom de descrever. Portanto, em vez de servir ao artista, ele o humilha. Urgentino: Esse é o mau crítico. Mas há também os bons”. E mais adiante Rivera diz: “A crítica é muito violenta. É sangrenta, sem misericórdia. Aponta as facas para cortar reputações em frangalhos, sufocar o órgão da expressão. Tento parecer gentil, mas minha arte é o assassinato.” Perdão por citar um autor contemporâneo.

Vou escolher um clássico. Voltaire, está bom? O Cândido: “É verdade que se rí sempre em Paris?” perguntou Cândido. “Sim” - explicou o abade, - “mas como expressão de raiva, porque lamentamos tudo com grandes gargalhadas e praticamos rindo as ações mais detestáveis”. “Quem é” - continuou Cândido - “esse porco gordo, que me dizia tão mal do espetáculo em que chorei, e dos atores que tanto me agradaram?”. “É um maledicente" - respondeu o abade – “ganha a vida dizendo mal de todas as peças e de todos os livros; odeia quem obtenha êxito, como os eunucos odeiam os que gozam; é uma dessas serpentes da literatura, alimentando- se do lodo e do veneno”. Se Barbara Heliodora esqueceu como se faz uma crítica honesta e elegante, deveria ler a de Luiz Paulo Horta, publicada ao lado de sua coluna no mesmo dia, sobre as “Variações Goldberg” de Bach, interpretado por Jean Louis Steuerman. Ali, como leitores, aprendemos algo sobre o autor, a obra, o interprete e a interpretação. E não um amontoado de asneiras e atrocidades empacotado pelo desprezo da alteridade e da diferença".

Antonio Quinet, Psicanalista, Doutor em Filosofia, Dramaturgo, Professor do Mestrado de Psicanálise, Saúde e Sociedade (UVA) onde desenvolve a pesquisa “Teatro e Psicanálise”, Diretor da Cia. Inconsciente em Cena.

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