É com profundo pesar que inicio esta crítica. Profundo pesar principalmente em função do grandioso Vianinha e do histórico Opinião, um espetáculo que reuniu a força e a coragem de alguns dos mais importantes intelectuais brasileiros e que realizou um movimento de vanguarda frente “ao amor e a flor” da bossa nova e de resistência à ditadura. O espetáculo que lançou Maria Bethânia.
Infelizmente no programa de “Outra Opinião” a peça referida acima é citada pelo grupo Nós do Morro como inspiração deste novo “desespetáculo”.
O pensamento que me vem à cabeça ao assistir tal empreitada, é que o efeito ditadura se consolidou da forma mais maléfica que poderia dentro da nossa sociedade, criando uma classe teatral medíocre. Realmente continuamos sem história, pois realizar um espetáculo tão raso citando uma obra tão magistral dos anos 60, significa o que o Caetano vociferou em pleno festival da canção: “Vocês não estão entendendo nada. Vocês não estão entendendo nada...” No Rio de Janeiro o teatro se tornou sinônimo de Sai de Baixo, o cinismo das platéias e das peças que só se interessam em fazer piada com as maiores mazelas de nossa civilização fez com que o teatro carioca perdesse de fato toda sua força política.
A peça começa com a canção chave do Opinião, de 64, com todos os atores reunidos no centro do palco, no final da música uma senhora de seus quase 70 anos faz uma relato de sua vida, forçando uma comicidade através de seu português ruim, a típica linguagem de moradores de favela, e de palavrões de baixíssimo calão, o humor sobre a ignorância que tanto tem agradado as classes mais abastadas do Rio de Janeiro, que a pouco tempo fizeram o sucesso de Tati Quebra Barraco nas boates dos burguesinhos da zona sul.
O Opinião trouxe do morro o que havia de melhor dele, trouxe Zé Kéti, trouxe verdadeiros poetas do cotidiano das comunidades excluídas, para exaltá-las. Mas o Nós do Morro infelizmente faz o jogo contrário ao trazer o pior, como por exemplo, o Baile Funk, em que uma das músicas repetidas tinha a o seguinte refrão: “Ih! senhor não tem banheiro pra fazer nem xixi, nem coco”. O que falar de uma peça dessa? Que ainda tem o descaramento de dizer em seu programa: “Sem levantar bandeiras ou definir regras e exceções, este espetáculo abre as cortinas para a reflexão, expõe sob os refletores a multiplicidade do ser, transpõe para o palco a voz de todos nós que ainda vivemos sob a mira de tantas ditaduras.” Quanta pretensão! Absolutamente nada disso foi realizado. O que vemos é um espetáculo amarrado à clichês do morro, do favelado que não mostra o valor do morro.
Outra cena de enlouquecer “um ser pensante” é quando a montagem se refere ao amor, num jogo em que os casais, para ilustrar o fato do ser amado ser a prova de qualquer noção de higiene, colocam a mão em partes intimas e fedorentas ou sujas, como o nariz, o anus e etc e dá para o outro lamber, cheirar, chupar e etc. Isso é pelo menos regressão a fase oral, francamente! Dizer que um espetáculo desses se inspirou em Vianinha é um ultraje. São ações vazias, para provocar riso fácil.
Salvam-se as músicas do espetáculo, tirando as do baile funk.
No programa “culpam” Paulo Giannini e Kadu Garcia pela escrita do desespetáculo, e a dramaturgia foi construída a partir das histórias dos próprios atores e de composições musicais de Lirinha, Zé Miguel Wisnik, Arnaldo Antunes, Pedro Luis, Marisa Monte, Céu e outros.
Um único momento de coragem real da peça foi uma cena que abordava o abuso sexual de uma menina pelo pai, mas logo a questão é esvaziada pela cena seguinte, em que o pai procura uma prostituta e ela fica gemendo gritando papai, mais uma vez voltamos ao riso para abafar o pensamento e o contrangimento.
A última do programa: “Portanto pedimos licença a João do Vale, Zé Kéti, Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Porto e Augusto Boal para darmos a nossa Outra Opinião”.
LICENÇA NEGADA!!!! Afinal isso não tem nada de Opinião.
quarta-feira, 8 de julho de 2009
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