domingo, 5 de julho de 2009

O Passado que não Passa

Inveja dos Anjos, em sua rica trilha, é atualmente a última estação do Grupo Armazém. A peça está sendo apresentada na Fundição Progresso, sede da compania desde sua chegada ao Rio de Janeiro em 1998.
Os trens ao longo da história apresentaram progresso e agilidade. Afinal foram eles as grandes estrelas da revolução industrial. O trem trouxe consigo não somente uma revolução tecnológica, mais trouxe também uma revolução cultural, que mudou o cotidiano das pessoas. As ferrovias que cortaram o mundo com certeza contribuíram imensamente para a nossa atual forma de existir. E é justamente neste espaço de passagem e parada, em que se pensa que se parte para algum local, ou que se chega a um lugar, que habita a peça do Armazém.
Esteticamente perfeito, os trilhos dos trens avançam no palco, e até mesmo em direção ao teto. A grande parede de tijolos, em frente à platéia, repleta de concretude nos recoloca no chão, pois os trilhos em si, da forma em que cruzam e se esfacelam, nos levam numa viajem onírica.
Entre a realidade dos fatos, os sonhos e os projetos estilhaçados, o drama da memória é a matéria trabalhada, tal qual massa de pão batida.
Apesar de ser um local de passagem, o passado dos personagens não passa. O que se pensa esquecido, dorme latente, até vir à tona, ou vive presente como um fantasma, no caso de Branca (Simone Viana), que realiza o momento mais bonito da peça, uma dança com o seu amante morto, do qual ela não se separa até morrer.
É a partir do encontro de três amigos, Patrícia Selonk, Marcelo Guerra e Simone Mazzer, que discutem suas memórias, que a peça vai se desenrolar, outros personagens surgem e o que parecia morto se percebe mais vivo que nunca. Afinal nada é mais difícil de se libertar do que o passado.
Portanto teremos sempre o jogo do lúdico e do real, pois uma memória pode também ser inventada ou modificada, entre os fracassos e insatisfação da vida cotidiana e banal. O que há de comum nestes personagens é que a todos falta algo, todos perderam alguma coisa, são personagens frustrados e incompletos, ignorantes de si em função deste vazio, deste lapso de algum tempo obscuro e não resolvido.
A luz do espetáculo é belíssima, se encaixando perfeitamente no texto e no cenário, feita pelo sempre impecável Maneco Quinderé. O cenário, que de fato é o elemento mais forte do espetáculo é de Paulo de Moraes e Carla Berri.
O texto composto a partir das improvisações do grupo, por Paulo Moraes e Mauricio Arruda Mendonça, tem grande qualidade imagética e soa muito bem aos ouvidos.
O grande problema do espetáculo é a atuação dos atores. Com exceção de Patrícia Selonk e o momento brilhante de Simone Viana, as representações são representações. Profundamente afetadas, num exagero desmedido, os atores fazem muita força para se emocionarem e emocionar a platéia. Uma gritaria sem fim em alguns momentos, que pode convencer pelo susto, mas que a uma pessoa mais atenta não passa de histeria. Simone Mazzer em alguns momentos parece passar por uma constipação no baixo ventre e estar numa tentativa desesperada para se libertar, ou libertar sua personagem da moléstia. Acho importante ressaltar que em muitos momentos no teatro os atores deveriam entender esta máxima de que o menos é mais. Sem falar de Verônica Rocha que fez a criança mais caricatural que eu vi nos últimos tempos, o verdadeiro Teatrinho Troll.
De qualquer maneira é um espetáculo respeitável, mas que peca na descompensação de seus atores. Fora isso, acho que as possibilidades do texto e do cenário não tem limites.
Valeri Rodrigues

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