Adaptação do romance homônimo de Albert Camus, “O Estrangeiro” coloca em cena a história do julgamento de Meursault, um personagem que apresenta comportamentos atípicos em seu cotidiano. Um homem que se deixa levar pelos incidentes que a vida lhe coloca, que não está profundamente ligado a nada. Cada momento de sua existência é um ato isolado em si mesmo. Recebe a notícia da morte de sua mãe; não chora em seu enterro. No dia seguinte, vai à praia tomar banho de mar e ter um encontro com a mulher desejada. Vai ao cinema assistir comédia. Em um dia de sol escaldante, comete um assassinato sem nenhum motivo. É preso e levado a julgamento. Mais do que pelo fato de ter matado alguém, Meursault é julgado pela forma como conduz a própria vida.
No monólogo dirigido por Vera Holtz, Guilherme Leme dá vida ao complexo e intrigante personagem. Certamente não é tarefa das mais fáceis interpretar a indiferença, a introspecção e o fato de estar alheio ao mundo. Dependendo do prisma pelo qual se analise o espetáculo, podemos dizer que a tarefa foi executada com êxito ou trata-se de uma grande perda de tempo. Tanto a direção quanto interpretação são altamente burocráticas, lineares, sem grandes diferenciações do início ao fim - excetuando-se o momento em que o personagem sai do grande quadrado a que estão limitadas todas as suas ações. A indiferença de Meursault impregnou toda a montagem. O problema é que essa indiferença acaba por criar uma barreira com o público, que não consegue em momento algum envolver-se com a trama.
A encenação é pesada, repetitiva e sonolenta. Tem-se a impressão de que tudo foi concebido (e a forma como Leme se posiciona no agradecimento reforça essa sensação) sem levar em conta que haveria uma plateia observando o espetáculo. Isso pode causar algum desconforto.
O que deveria ser uma reflexão entre as atitudes esperadas e as executadas; entre o senso comum e o inusitado; entre o apego e o desapego acaba configurando-se como uma exibição do vazio. Ao invés de encarnar um homem que age de acordo com suas próprias convicções - independente delas serem socialmente aceitáveis ou não - o ator e a direção acabam nos oferecendo um homem e uma encenação sem convicção nenhuma, como se no palco estivessem tratando de uma mera banalidade.
As únicas relações que a peça estabelece são entre luz e cenário, que se contrapõem harmoniosamente. A cenografia de Aurora dos Campos “enquadra” literalmente a montagem, ao trabalhar com um grande quadrilátero recortado no chão, onde todas as movimentações ficam inscritas. Como objeto cênico, apenas uma cadeira giratória pouco explorada, mas de fundamental importância para ambientar a ação; num espaço comandado pelo vazio. A iluminação tem a assinatura de Maneco Quinderé, e opera num sistema de claro/escuro fazendo perceber-se bem o blackout e ofuscamento, e chamando atenção ao se valer de uma gigantesca luminária branca (também quadrada). Maneco consegue efeitos e movimentos altamente impactantes, mas em alguns momentos incômodos.
Com duração de sessenta minutos, “O Estrangeiro” consegue fazer com que de fato a plateia sinta a indiferença. Esse é o único sentimento que temos com relação à montagem. Ao final, todos aplaudem burocraticamente de pé, mesmo que tenham cochilado durante parte da apresentação. Se o enterro da mãe não fez diferença na rotina de Meursault; assistir ou não a peça também em nada mudará nossa noite.
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