sexta-feira, 8 de maio de 2009

SOBRE O SUICÍDIO

A prática de levar à cena textos não dramáticos há muito já deixou de ser uma experimentação para se tornar uma prática reconhecidamente bem-sucedida no teatro contemporâneo. Romances, contos, poemas, entrevistas, depoimentos, fragmentos, memórias, ficcionais ou não são encenados com mais ou menos sucesso, resultante sempre da capacidade dos artistas responsáveis pela transposição da obra escrita para o palco em conferir teatralidade às imagens sugeridas ou inspiradas pelo texto.
A encenação de “Sobre o Suicídio” pela Companhia Ensaio Aberto, dirigida por Luiz Fernando Lobo, parece ser um caso mal-sucedido desta relação entre texto e cena.
Sendo coerente com o trabalho que vem desenvolvendo há anos de um teatro eminentemente político, voltado às questões sociais, o grupo escolheu uma pouco conhecida obra produzida pelo jovem Karl Marx em 1846 a partir do relato de um funcionário do Departamento de Polícia de Paris, Jacques Peuchet, que narra quatro casos de suicídio (em sua maior parte de mulheres pertencentes á burguesia), para discutir as pressões sociais que levam um indivíduo a acabar com a própria vida. A aridez do ponto de partida não é, em si, um problema. O diretor Moacir Chaves há alguns anos partiu de um processo inquisitorial ocorrido no Brasil-Colônia para compor o belo espetáculo “Bugiaria”, provando que a fonte motivadora da criação artística pode estar onde menos se espera. A questão principal na encenação de Sobre o Suicídio, é que a direção não consegue extrair imagens teatralmente interessantes da obra de Marx, transformando o espetáculo numa narração monocórdia e entediante, que afasta o público do que parece ser o objetivo do grupo, ou seja, conscientizar o espectador sobre o poder que a organização social e os valores morais da coletividade podem exercer sobre o indivíduo, mesmo que para isso utilize situações referentes à sociedade do século XIX. Os motivos que levam os protagonistas dos casos apresentados na peça ao suicídio (perda de virgindade, adultério, demissão do emprego), podem até levar um indivíduo do século XXI a se matar, mas apenas como um caso isolado, nunca como um sintoma de pressão social. Muda a sociedade, mudam os costumes, mudam as mentalidades. De qualquer forma, Luiz Fernando Lobo parece acreditar tanto na força do texto, que dispensa o espetáculo daquele elemento que Roland Barthes definiu como “o teatro menos o texto”: a teatralidade.
Os casos apresentados no texto de Marx se sucedem no espetáculo, narrados pelos atores sempre em tom panfletário e gritado, como se já não fosse suficiente o uso de microfones de lapela por todos os integrantes do elenco (recurso, aliás, discutível, em se tratando de um espaço de pequenas dimensões como a arena do Sesc-Copacabana) e intercalados por repetitivas projeções, ora de imagens pouco reconhecíveis devido à rapidez com que são sobrepostas na projeção, ora de números representativos de índices estatísticos. A pouca movimentação, militarmente marcada, nada acrescenta como informação ou opinião sobre o que está sendo dito e o uso de alguns elementos cênicos, como um aquário e bonecos de pano, não vai além da mera ilustração.
Os atores, Fernanda Avellar, Tuca Moraes, o próprio Luiz Fernando Lobo e Françoise Berlanger, parecem estar lendo o texto em voz alta (e de fato lêem longos trechos, em alguns momentos) conferindo pouca organicidade a seus desempenhos e não conseguindo driblar as armadilhas propostas pela encenação, o que contribui para o não-envolvimento do público nas questões apresentadas pelo texto.
Ao confiar tanto no poder das palavras de Marx, a Cia. Ensaio Aberto parece não ter confiando tanto assim no poder do Teatro. Melhor ler o livro.

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