quarta-feira, 20 de maio de 2009

PLAY

O que leva um dramaturgo a escrever um texto inspirado num bem-sucedido e premiado roteiro de cinema? Podemos pensar em várias possibilidades, das mais instigantes às menos nobres. Poderia ser a de ampliar a discussão das questões propostas pelo original, considerando-se os vinte anos passados de seu lançamento, ou a de lançar um outro olhar sobre o tema, mostrando ângulos de visão não explorados anteriormente, ou ainda a de driblar uma questão de direitos autorais (caros demais ou não cedidos), renomeando o texto sob o epíteto de “inspirado em”.
Inspirado em “sexo, mentiras e videotape” (assim mesmo, em minúsculas, ao estilo de e. e. cummings), filme escrito e dirigido por Steven Soderbergh, o texto “Play”, de Rodrigo Nogueira, dirigido por Ivan Sugahara, não é claro sobre suas intenções e leva desvantagem na inevitável comparação com o material original. O filme de Soderbergh propunha uma reflexão sobre os modelos de relacionamento da sociedade contemporânea, a partir do quadrado amoroso formado por um homem impotente que se satisfaz filmando depoimentos de mulheres sobre intimidades sexuais, uma dona-de-casa frustrada e frígida, seu marido infiel e sua irmã liberada. Discutia, como afirma Sugahara no programa do espetáculo, “a banalização do sexo, o hábito da mentira e o culto da imagem”. A versão de Rodrigo Nogueira guarda inúmeras semelhanças com o original de Soderbergh, que vão desde os nomes dos personagens e às relações desenvolvidas entre eles até situações inteiras, sem que com isso acrescente nada de novo ou interessante ao material já desenvolvido pelo cineasta. O que Nogueira consegue é banalizar o roteiro do filme, diminuir seu interesse e torná-lo inconsistente ao transformar tudo em uma comédia de costumes com espaço para exibições pessoais de histrionismo. Há também oportunidade para a utilização de algo que já começa a se tornar um clichê do teatro contemporâneo: a mistura entre ficção e depoimentos reais, com o intuito de deixar o espectador em dúvida sobre o que é verdadeiro ou inventado. O depoimento de Cynthia (Maria Maya) sobre a separação dos pais é um exemplo disso.
Ivan Sugahara, que já demonstrou ser um diretor criativo, inteligente e instigante, deixa inúmeras pontas soltas na encenação, como o uso dos depoimentos gravados em vídeo, que não estabelecem uma relação maior com o que acontece em cena e o uso dos módulos de mesas e cadeiras que, a princípio, deveriam definir os vários ambientes onde se desenrola a ação da peça (o apartamento de Cynthia, a casa de Ana e João, o imóvel que está para alugar), mas acabam mais confundindo do que delimitando espaços cênicos. Além disso, não consegue controlar os excessos de alguns integrantes do elenco. Neste, se destacam os trabalhos de Jonas Gadelha, apropriadamente contido e econômico, conferindo dubiedade ao misterioso homem que filma mulheres e Maria Maya, com um ótimo timing de comédia, desenvolvendo um humor sutil (em especial na cena do jantar).
O que fica dessa adaptação do roteiro de Steven Soderbergh é a vontade de rever o filme. Sem fazê-lo não podemos avaliar se o impacto sentido nos anos 80 seria o mesmo hoje (provavelmente não). Mas com certeza, ele ainda oferece muito mais do que Rodrigo Nogueira pôde nos oferecer.

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