segunda-feira, 18 de maio de 2009

A Filha do Teatro

Três personagens interpretadas por três atrizes em cena - cada qual sem seu papel definido -, um cenário que, ironicamente, traz à galeria de arte a estrutura da caixa cúbica - em grande ou pequena proporção - e uma direção que utiliza recursos multimídias e a metalinguagem para interrogar o espectador sobre os limites da encenação, desconstruindo o próprio fazer teatral.
A Filha do Teatro, em cartaz na Galeria de Arte da Caixa Cultural, conta a história de uma diretora de teatro que encontrou a atriz ideal para seu próximo trabalho, a qual, grávida, fazia sexo explícito na boate onde atuava. Ela dá a luz a uma menina, que terá sua guarda disputada pelas duas mulheres. O assassinato da diretora desencadeia uma série de monólogos, não muito preocupada com a ordem dos acontecimentos e determinada pela subjetividade de cada personagem. O enredo, aparentemente simples, mostra o quanto a visão do encenador é capaz de enaltecer o texto, tornando-o apenas a base para desenvolver questões que não se restringem à dramaturgia.
Pois nada está delimitado em A Filha do Teatro. O que importa para as atrizes Viviana Rocha, Priscila Amorim e Fernanda Maia não é atribuir particularidade a cada personagem, uma vez que eles nem estão definidos para cada uma das atrizes – colocando as principais figuras da história numa posição vulnerável -, mas participar do jogo de quando a encenação termina e inicia. Se num determinado momento, uma atriz tem sua fala interrompida por outra, a mesma se vira e se coloca na posição de público, abandona a interpretação e se torna espectadora da narração que acabara de contar, ao mesmo tempo que a terceira atriz, com uma câmera filmadora, exibe de forma assumidamente icônica toda a encenação num telão.
A cenografia de Doris Rollemberg, como não poderia ser diferente, vai ao encontro da proposta do diretor Antonio Guedes. Ao ser apresentada numa galeria, com o público distribuído em cada extremo do corredor, a cenografia traz para o espaço aberto elementos do palco italiano, o qual é claro em limitar a ação dos integrantes da encenação e evidenciar a ilusão que o teatro, de modo geral, propõe, mas que A Filha do Teatro pretende desconstruir. É claro que, devido ao texto, o palco italiano é um ambiente propício para a história ser contada, mas a intenção da cenógrafa não é simplesmente ambientar a dramaturgia: acima de tudo, é desmistificar o espaço teatral como estrutura rígida e delineadora – e as movimentações das atrizes em cena reafirmam ainda mais essa proposta. Não se pode ignorar, ainda, o impacto que aquelas estruturas podem causar no espectador, pois, se ao adentrar na sala aqueles elementos parecem desconexos, basta se assentar para a ideia visual se formar com clareza.
Assistir A Filha do Teatro é encarar um teatro que se assume como tal, a ponto do próprio roteiro no papel circular entre as mãos das atrizes ou ser exibido por projeção. Assim, o diretor Antonio Guedes consegue, com sua proposta, apresentar uma peça não apenas interessante, agradável de assistir, mas que incita o espectador até o último instante, quando o agradecimento do elenco ao público é através da exibição de vídeo. A sensação é desigual, e não resta outra escolha senão aplaudir um excelente trabalho.

Jefferson Ribeiro

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