domingo, 21 de junho de 2009

anti-dinheiro grátis, uma crítica

Michel Melamed em Dinheiro grátis

Anti-dinheiro grátis é a remontagem de Dinheiro-grátis, segunda parte da Trilogia Brasileira conjunto de três peças do ator/poeta Michel Melamed,que inclui “regurgitofagia” e “homemúsica”. Na primeira montagem de Dinheiro-grátis, o público era pedido, solicitado, elogiado, flertado, agradado, coagido e psicologicamente torturado a doar algum dinheiro que iria para uma cartola no centro do palco que no final seria queimado num momento ritualístico, quase catártico onde talvez se espurgaria os males e a sacralização do papel-dinheiro. Tudo no melhor estilo Melamed, cheio de humor, sarcasmo e ironia.

Entretanto, a peça foi divulgada como “anti Dinheiro-grátis”, o que teoricamente não seria o oposto do Dinheiro-grátis, mas uma negação dele, como um duplo, um outro, ou o mesmo às avessas. Foi exatamente o que se pode ver. Antes do espetáculo se é oferecido a fumar no palco por alguma quantia em dinheiro, uma vez que no palco se pode fumar, na platéia não. Ao lado da cartola, um pouco mais a frente está um pote de água daqueles de cachorro e do outro lado o cinzeiro. Melamed está pela platéia pedindo dinheiro, quando pede para uma senhora uma moeda de um real e ela oferece um centavo; é quando Melamed toma o canto da cena, no fim das escadas que dão acesso e faz um discurso anti-um centavo alegando que um centavo não é dinheiro, é “baixo astral”, e nos faz (novamente) de um jeito ritualístico nos livrar das moedas, fazendo com que juntos as joguemos no palco, incluindo agora moedas de outro valor.

O espetáculo se inicia, no molde do dinheiro-grátis, numa simulação de um show de hip-hop, aos gritos de “vai tomar no cu, PAZ”, e mergulha numa reflexão sobre fatos básicos da vida, coisas que não dependem do dinheiro para a existência como “Matar ou morrer? Matar, vamos matar, sair na Graça Aranha degolando todo mundo. Morrer, vamos morrer, não vale a pena viver, vamos morrer.”

Enfim, há o correr de um texto que passeia entre o poético e o descontraído, o reflexivo e o humorístico até que culmina na parte em que seria a deixa para a entrada no fim do espetáculo, na parte do dinheiro-grátis. É quando Melamed pergunta: “Cadê os miseráveis daqui?” Todos gritam afirmativamente, daí ele diz: “E desde quando miseráveis vão ao teatro?” Todos caem no riso, inclusive eu, e ele manda: “Não é esse o teatro que eu quero fazer”. Na mesma hora, um outro tom toma o espetáculo, primeiro vindo da platéia que se sente culpada por ter rido. A partir daí Melamed volta com uma mesa, e sentado em forma de aula teórica, crônica, simpósio, faz um exercício de refletir sua própria obra e tentar observar a partir da trilogia qual o teatro que ele gostaria de fazer, qual teatro ele havia sonhado e qual ele havia conseguido e principalmente, qual o grau de satisfação que havia naquele teatro, enquanto que no fundo numa projeção passam trechos da primeira montagem, sem o anti. Num breve texto sobre o amor, num tom seco, Melamed chega a dizer: “o amor te come e arrota na tua cara.”
Pode-se dizer que Michel Melamed conseguiu amernizar o efeito ritualístico daquele final, conseguiu tirar algo que começa como uma forma de contestação mas que logo depois, como qualquer outra obra, é absorvida e transformada em carimbo, tatuagem e prende à obra tornando o próprio autor refém de si mesmo, pois o que acontece é que a queima do dinheiro se torna o elemento mais importante da obra, então mudar esse final para uma parte reflexiva é uma forma de burlar esse efeito.

Pouco depois, ele se levanta, agradece e sai. Grande parte da platéia não entende que é o fim, não consegue aplaudir, muita gente fica revoltada, pois espera de Melamed outra coisa, humor, charme, ironia, e é isso que ele tira da platéia que agora sente raiva. Algumas pessoas chegam a ameaçar querer pedir o dinheiro de volta, outros querem esperar para conversar com ele, mas no fim, se rendem pois a semente reflexiva já estava plantada. Passeando por blogs à procura de opiniões, encontrei duas: uma positiva e outra negativa, fazendo um bom contraponto para reflexão. Eis:http://amycouto.blogspot.com/2009/06/eu-nao-faco-silencio-porque-amo-tudo.html - http://futurosamores.blogspot.com/2009/06/eu-nunca-fiz-critica-de-teatro-mas.html

No fim, a impressão é positiva, mas a sensação não, pois a reflexão que chega num embate violento com a emoção é quase um estupro, é como uma flecha apontada para gente, mas que apesar de todos os sentimentos que sentimos, é absolutamente importante, e mais, é talvez essencial.

3 comentários:

  1. A crítica do Luiz só contribuiu pra me deixar mais triste ainda por ter perdido a segunda das três peças exibidas em menos de um mês(temporada ejaculação precoce).

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  2. um dos poucos locais que encontrei analisando de forma sensata o novo molde do espetaculo.

    sem paixonites.

    sem picuinhas.

    ótima critica compadre.

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  3. ótimo texto. vi a peça e, mesmo saindo surpreendido, gostei do que vi.

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