domingo, 21 de junho de 2009

A Filha Do Teatro.

A Filha do Teatro

O espetáculo em questão, encenado na Galeria 2 da Caixa Cultural na Graça Aranha, com direção de Antônio Guedes dramaturgia de Fátima Saadi e autoria de Luís Augusto Reis ,é uma narrativa construída a partir do ponto de vista de três personagens sobre um mesmo fato:o assassinato de uma diretora teatral .

As vidas dessas personagens inominadas (não sem um propósito) foram aproximadas diretamente pelo teatro no momento em que a encenadora contratou a atriz pornô grávida e seu parceiro para executarem em sua peça uma relação sexual. A criança,quase parida no palco numa das performances da mãe, assim que nasceu prematuramente,despertou na diretora um sentimento mesclado de piedade e proteção; tal afeição é facilmente compreendida se levarmos em consideração a tragicidade que já marcava o nascituro desde o ventre da mãe.

O enredo da peça da “Companhia do Pequeno Gesto” é interessante e fisga o ouvinte certeiramente,e a forma clara e objetiva adotada pela dramaturga na ilustração dos fatos no decorrer do tempo o deixa ainda melhor. As três intérpretes se posicionam diante da platéia com elegância, firmeza e se movimentam e gesticulam na exata medida ,sem exageros,contribuindo assim para que o foco do espectador se concentre tanto no concreto presente -ou seja, sala onde os fatos são contados pela “Companhia”-, quanto em seu próprio imaginário - no mundo interior do espectador - construtor de uma realidade paralela àquela oferecida por todos os aparatos cênicos, tanto literários narrativos como estéticos e plásticos .

O figurino, concebido por Mauro Leite, é tão pertinente a todo o contexto ilustrado na proposta que passa quase que despercebido diante dos demais elementos ,causando a ilusão de serem peças pertencentes aos guarda-roupas pessoal das atrizes. Consegue por fim atingir precisamente o objetivo da proposta criativa do grupo: o de não hierarquizar os elementos cênicos no seu grau de importância e relevância interpretativas. Tudo ali possui um lugar de destaque mas sem se destacar desigualmente dentro do todo e essa busca da equidade (geradora de infinitas interpretações) obviamente não foi um recurso utilizado sem se ter uma proposta previamente deliberada e calcada em estudos teóricos a respeito do teatro pós-dramático.

O cenário projetado por Doris Rollemberg é de uma beleza peculiar pois não só agrada aos olhos como também tem como objetivo dar margem a inúmeras leituras metalingüísticas ,seja por seus arcos que remetem a um tradicional palco italiano - símbolo de um acontecimento passado num palco fora dali - seja pelo seu espelhamento nas duas extremidades da sala (o que dá o efeito visual de “eco”, repetição) visto em concomitância à narração que é ,algumas vezes, executada quase que simultaneamente pelas duas atrizes situadas nas duas extremidades das arquibancadas (o que dá a impressão sonora do eco). Enfim, o cenário foi tão bem pensado que possibilita infinitas leituras em torno dele e do tema.

Esse é sem dúvida ,a meu ver, pelo conjunto da obra um dos melhores espetáculos que assisti em 2009 não só por dar ao espectador infinitos recursos interpretativos como também por proporcionar uma ampla leitura e discussão em torno da obra em si e do próprio fazer teatral de uma maneira mais ampla.

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