Sir Tom Stoppard nasceu Tomás Straussler em Zlín, na Tchecoslováquia, atual República Tcheca, em julho de 1937. Em 1939, sua família foge do nazismo para Singapura, e dois anos depois, da invasão japonesa para a Índia. Em 1946, após novo casamento de sua mãe com Kenneth Stoppard - um oficial inglês que proíbe que a família fale tcheco – Tomás adota o novo nome, e a Inglaterra como pátria. É em solo inglês que Tom completa sua formação escolar, começa a trabalhar aos 17 anos como jornalista, mais tarde crítico de teatro, e depois dramaturgo, além de se tornar um aficionado em rock’n’roll. No turbulento 1968, quando os tanques soviéticos marcham para Praga, Tom Stoppard alcança fama internacional ao estrear a primeira de suas peças na Brodway: Rosencrantz e Guildenstern estão mortos ganha o Prêmio Tony de melhor peça daquele ano.
Em Rock’n’Roll, de 2006, a pátria adotada e a terra natal de Stoppard são potencializadas política e esteticamente na Cambridge universitária, dos libertários anos 60/70 até o final dos anos 80, e na Praga ocupada do período entre a Primavera de Praga, em 1968, e a Revolução de Veludo, em 1990. Nelas transitam as personagens emblemáticas Max – um velho professor de Cambridge, filósofo marxista ferrenho que, mesmo conhecendo Stalin, acredita que ainda exista algo de bom a ser descoberto no comunismo, ainda que ele mesmo viva num regime capitalista -, e Jan - um jovem estudante tcheco, aluno de Max, amante fervoroso da liberdade e do rock’n’roll, mas que opta por voltar à Praga e lutar contra o comunismo -. Além da relação professor/aluno, eles têm uma relação de amizade verdadeira; defendem ideologias antagônicas, mas se aproximam no fervor com que o fazem; ambos sofrem com o abismo entre o que acreditam ser o ideal para o Homem e a realidade em que vivem, ainda que Max tenha uma relação idealizada com o que deseja viver, e Jan tenha espionado Max para o governo comunista em troca da permissão de estudar na Inglaterra. Através da construção de subjetividades complexas, refratárias a leituras somente ideológicas, e da contínua discussão sobre as articulações entre arte, política e vida – que se dá, principalmente, pela presença constante do rock’n’roll -, Stoppard afasta qualquer caráter panorâmico ou ilustrativo da sua narrativa, e propõe um embate entre as capacidades criadoras e transformadoras do indivíduo e as violentas revoluções históricas do período em questão.
O autor também assina a trilha sonora, e faz um recorte político da história do rock’n’roll, excluindo movimentos como o punk, o funk, ou o grunge. The Plastic People of The Universe, não à toa a banda preferida de Jan, foi, na Tchecoslováquia, agente catalisador na derrocada do comunismo, e símbolo de uma revolução libertária. Ivan Jirous, diretor artístico da banda, teve influência direta sobre a produção e a vida política de Václav Havel, escritor, dramaturgo e primeiro presidente da República Tcheca, que por sua vez, foi inspiração para Stoppard ao escrever Rock’n’Roll. (para ouvir os Plastics: http://www.youtube.com/watch?v=YBOnDwxuLaE e Stoppard falando sobre eles: http://www.youtube.com/watch?v=tcAvtuuAe5E&feature=related). Entre outros, Os Rolling Stones, os Beatles, Bob Dylan, Velvet Underground, The Doors, Grateful Dead, U2, traçam, além da linha do tempo, uma narrativa emocional de intensa comunicação, onde até mesmo as letras significam.
A montagem em cartaz no teatro Villa-Lobos tem direção de Felipe Vidal e de Tato Consorti, com tradução fluente do próprio Felipe.
Parece haver, na direção, uma preocupação em bem comunicar o texto - complexo em sua abordagem de um período tão longo e em terras tão distantes das nossas -, que acaba por gerar escolhas pouco arriscadas e uma dinâmica em alguns momentos didática. Este procedimento, ainda que não comprometa o espetáculo, pode soar correto demais para Rock’n'Roll e, em contraste com a música potente, evidencia uma concepção linear da história pela direção, em oposição a um pensamento da História como irrupção e transformação, presente no texto. É no trabalho com os atores e na condução das cenas que a direção tem seu maior mérito.
O cenário de Sérgio Marimba e o figurino de Nello Marrese são eficientes na caracterização realista dos espaços, dos objetos, das personagens, e das épocas. Essa caracterização, no caso do cenário, é secundária a outra leitura, já que os ambientes são construídos em praticáveis móveis, sobre rodas visíveis, e trocados no palco totalmente aberto: são pequenas "ilhas de realismo" no espaço vazio. Não são, ainda, utilizados como únicos espaços cênicos, já que a movimentação dos atores não respeita os limites físicos desses sets como limites de atuação, transitando livremente pelo espaço entre e além deles. A cenografia parece traduzir uma opção da direção em tomar os espaços físicos do texto como índices: a ação cênica se utiliza deles, mas não fica aprisionada em seu interior. Outro exemplo deste procedimento seria a passagem da emissão da música ao sistema de som do teatro quando tocada na vitrola em cena: a música é um elemento cênico, mas também trilha sonora que opera uma narrativa espaço-temporal, e soa para além do quadro. Ainda que restritos, são procedimentos interessantes na encenação: trabalham a partir de elementos estruturais de forma não ilustrativa.
É o que poderia acontecer com as projeções de vídeos. Elas apresentam, a cada troca de cenário, referências às bandas de rock, e aos anos em que acontecem as cenas. Num primeiro momento, têm impacto visual. Mas, em repetidas inserções, editadas em ritmo confortável, não chegam a criar propriamente alguma camada de tensionamento com a narrativa - ainda que os vídeos assinados pela Pavê Gastronomia Visual sejam muito bem cuidados. Somado à constante informação sobre a linha temporal já presente na trilha e no texto, o vídeo acaba prejudicando o andamento da encenação ao criar uma dinâmica previsível, que talvez responda unicamente à necessidade funcional.
O conjunto dos atores é bastante eficiente em trabalhar o texto a partir da proposta de interpretação realista, e é responsável pelos melhores momentos do espetáculo. Não há como não destacar Otávio Augusto, como Max, e Gisele Fróes, como Eleanor e Esme adulta. Ambos têm desempenhos potentes, de contracenação afiada; escapam a qualquer caricatura, eletrizando o espectador, tarefas nada fáceis. Em alguns poucos momentos, Otávio Augusto reduz Max, defendendo-o da dureza extrema a que o personagem pode chegar, e Gisele chega a resvalar para um registro já familiar a seu público em outros trabalhos, aproximando demais as personagens de seus próprios recursos cômicos. Thiago Fragoso é um Jan empático, apaixonado e vibrante quando jovem; ao final, a passagem de tempo na peça pede uma densidade que talvez sua pouca experiência não possa ainda proporcionar. Bianca Comparato e Adriano Saboya são competentes e desenvolvem de forma segura as possibilidades que os personagens apresentam. Luciana Borghi e Lucas Gouvêa usam registros por vezes diferenciados, de alguma forma em um tom mais histriônico, e Carol Conde e Christian Landi são corretos.
Ao final da peça, na cena do concerto dos Stones em Praga, o efeito da luz de Tomás Ribas traduz com simplicidade, talento e precisão a importância daquele momento.
Duas observações finais: Jan tinha, no primeiro tratamento de Rock’n’Roll, o nome de batismo de Stoppard: Tomás.
E não, o rock’n’roll não pode mudar o mundo, na maioria das vezes. Mas Rock’n’Roll pode mudar a sua noite, pode sacudir sua vida, e vale a pena tentar responder à primeira pergunta deste texto.
FICHA TÉCNICA
Texto: Tom Stoppard
Tradução: Felipe Vidal
Direção: Felipe Vidal e Tato Consorti
Elenco: Otávio Augusto, Thiago Fragoso, Gisele Fróes, Bianca Comparato, Adriano Saboya, Carol Condé, Christian Landi, Mariana Vaz, Lucas Gouvêa, Luciana Borghi.
Cenário: Sergio Marimba
Figurinos: Nello Marrese
Iluminação: Tomás Ribas
Visagismo: Juliana Mendes Mendonça
Vídeos: Pavê Gastronomia Visual
Direção de movimento: Marcia Rubin
Direção de produção: Bianca de Felippes
Produtor Associado: Adriano Saboya
Realização: Gávea Filmes
Divulgação: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO
Reestréia: dia 01 de maio (6ª f), às 20h
Teatro Villa Lobos
Av. Princesa Isabel, 440 Copacabana, RJ - Tel: 21 2334 7153
De 5ª a sábado às 20h; domingo às 19h
Duração: 180 min (com intervalo de 10 min)
Ingressos: 5ª, 6ª, e domingo, R$40,00; sábado, R$50,00
Capacidade: 463 lugares
Classificação etária: 14 anos
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Gostei dessa porque tem links, ainda não tinha ido procurar os plastic people, agora achei!
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