O Estrangeiro
A atual adaptação para o teatro da primorosa obra de um dos maiores escritores da língua francesa do séc XX ,Albert Camus, dirigida por Vera Holtz e interpretada por Guilherme Leme é uma montagem bastante corajosa e audaciosa, e não poderia ser diferente pois, além de ter sido contemplada com o prêmio Nobel, foi considerada por Sartre como a “Ilustração da existência humana”.
A atmosfera do que está por vir é anunciada discretamente pela cenógrafa Aurora dos Campos e pelo iluminador Maneco Quinderé com os poucos elementos que já visualizamos em cena :Uma cadeira posicionada no centro de um quadrilátero igualmente isolado pela imensidão negra do material escolhido para recobrir o restante do palco. A luz fluorescente colocada imediatamente acima do foco central da cena é filtrada por uma placa de lisolene proporcional às medidas do piso ilhado - tudo se encontra simetricamente ordenado.
O monólogo se inicia no escuro total .Tais recursos utilizados servem tanto para conduzir o espectador até um estado apurado de percepção das eloqüentes palavras, como para transportar o ouvinte a uma escuridão angustiante e introdutória do universo individual e tão peculiar desse intrigante personagem literário. A platéia é mantida no breu por cerca de três minutos e utiliza unicamente seu mecanismo sensorial auditivo;atenta apenas ao que é pronunciado.
Aos poucos as luzes se acendem e à medida que o personagem ilustra seu mundo e apresenta os coadjuvantes de sua solitária história vou tomando consciência de que o universo criado para ilustrar a obra trilha um caminho coerente àquele solitário universo,meio absurdo, criado por Camus.
Esse personagem, apesar de ser fruto do contexto histórico de pós-guerra (momento propício à revisão,reconstrução e crítica ,que parte de uma classe pensadora, a mecanismos totalitários e decadentes utilizados como forma de controle e dominação social presentes nos campos estatal, político,moral e religioso) se mantém extremamente atual, pois suas ações não são justificadas como efeito de uma causa específica de um tempo ou local ; Meursault , personagem que aparentemente pode ser visto como apático e insensível,é na verdade uma criatura que não procura aprovação alheia;portanto não representa, é impossivelmente verdadeiro e cru em suas atitudes,é um assassino contraditoriamente desprovido de maldade,quase ingênuo.
A postura de indiferença e desapego do narrador em relação ao seu mundo e às pessoas com quem ele mantém algum vínculo é preservada na contida atuação de Guilherme Leme, e mesmo quando partes do texto original são sublimadas (na adapatação do dinamarquês Morten KirKov traduzida por Liane Lazoski) não se perde o tom crítico e sutil contido na obra aos meios utilizados como instrumento mantenedor de uma conduta padronizada que sirva de reconhecimento e garantia de auto-preservação para a sociedade.
O que pode parecer algo negativo no espetáculo - exigir atenção e concentração na narrativa e oferecer poucos mecanismos dinâmicos visuais de ação para a quebra da monotonia - é ,sem dúvida, uma escolha certeira e que contribui em vários aspectos para e leitura do todo minimalista: O ator se mantém ,na maior parte da peça,sentado em um banco e à medida que expõe os fatos acontecidos,vai se vestindo lentamente,sem demonstrar nenhuma indignação com a sentença dada e preste a ser executada. O cubo da cena serve como metáfora de seu isolamento não limitado apenas à sua condição de prisioneiro;ele é um homem sozinho em sua existência e seu tom monocórdio na narrativa resume sua indiferença a seu estado e à humanidade.
O “Estrangeiro” de Vera Holtz é um espetáculo despretensioso que pode agradar ao público que busca fidelidade na ilustração tridimensional de uma obra literária,mas ,em contrapartida, pode aborrecer e entediar àqueles mais sedentos de montagens audaciosas e inovadoras que explorem outras possibilidades e mecanismos de comunicação inerentes a essa manifestação artística tão peculiar que é o teatro.
domingo, 21 de junho de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Eu amei o espetáculo. Fiquei impressionado com o trabalho do Guilherme Leme e creio que ele consegue segurar a plateia, com a história contada pelo seu personagem em cena, devido à segurança com que conduz a narrativa. Ele não entedia, muito menos aborrece. É o teatro na sua essência: ator, elementos cênicos necessários, e o público.
ResponderExcluir