Era uma sexta feira e o teatro Villa-Lobos estava com metade das cadeiras ocupadas para assistir “Rock’n’roll”, espetáculo de Felipe Vidal e Tato Consorti, a partir da obra do Tcheco Tom Stoppard. As cortinas se abrem e logo se pode ver na frente do palco aquela transparência para projeções que é tão comum no teatro contemporâneo, explicando do que se trataria a peça que iria começar e claro, ao som daquilo que já se esperava: o rock. Essas projeções parecem ser a tecnologia que substitui o programa, aquele livrinho que ganhávamos na entrada do teatro e nos trazia a sinopse, a ambientação histórica, a ficha técnica, alguns comentários e os patrocinadores, Essa projeção, além disso tudo, aparecia a cada mudança de cena para nos contar o ano, nos tocar uma música e nos mostrar imagens do tempo histórico em que as personagens viviam.
A peça é sobre a invasão da União Soviética na Tchecoslováquia, desde a Primavera de Praga até a Revolução de Veludo pela perspectivas de dois personagens chave: o idealista Jan e o comunista Max. Jan é um jovem e Max um professor, ambos da Universidade de Cambridge. Então era de um lado o comunismo, e sua utopia e do outro o reformista e sua liberdade. Eis a sinopse da peça.
Na cena o que se via era um espaço cênico vazio que era ocupado por praticáveis móveis com os ambientes de sala, quarto, varanda, muros, trazidos e trocados no fundo do palco a cada mudança de espaço e tempo. Interessante ressaltar que as cenas não eram somente representadas nesses ambientes, mas também fora deles, no próprio palco nu, onde nada havia, o que fazia com que os espaços se expandissem, assim como a capacidade de movimentação dos atores.
Entretanto eles não tinham muito que se mexer em cena já que o texto é um palavrório numa tentativa de realismo, mas que se transforma numa discussão de filosofias, idéias e maneiras de viver, como se o dramaturgo tivesse posto “um tipo de cada perfil” que vivia na época. Esse mar de palavras sem fim, muitas vezes nos fazia olhar ou a beleza das atrizes ou as rugas de Otávio Augusto, pois lhes era pedido um realismo não mais possível de ser feito, que soa falso e ao invés de atrair, dispersa. Por outro lado, esse esforço não deixou de capturar todos os elementos, tensões e sutilezas que nos parece ter sido a intenção de Stoppard, o que não deve ter sido um trabalho fácil de escrita.
Tiago Fragoso nos traz para perto da parte ideológica, utópica e roqueira da cena, pois não são raros os momentos em que ele apresenta discos, ou cita bandas como The Plastic people of the universe, ou The Dorrs, Pink Floyd, Stones, etc. Gisele Froes consegue captar a parte reformista alienada pelo excesso de uso de drogas com humor trágico que mostra esse paradoxo inerente ao momento, apesar de em alguns momentos não passar de própria caricatura. Otávio Augusto, seguro na sua dureza faz um contraponto interessante como Froes e Fragoso, formando um trio que em cena atrai.
Não se pode, no entanto, analisar “Rock’n’roll” sem falar da música. Esse é o aspecto que, de certa forma, é a chave para a compreensão da encenação. Sem a levarmos em conta a leitura do espetáculo fica realmente reduzida a essa tentativa fracassada de realismo, e disso posso dizer, pois quando assisti o som falhou em todo segundo ato e foi essa impressão que chegou até à platéia, porém, voltando e assistindo novamente o espetáculo foi possível perceber que a música trabalha no espetáculo como elemento que traz a memória para a cena. Como se houvesse uma memória a ser compartilhada entre atores e platéia, entre cotidiano e arte, entre vida e política e nada melhor que o rock’n’roll para nos mostrar isso, principalmente porque o rock não deve ser somente lido como gênero musical, mas como formação de uma nova estrutura social. Para os comunistas, incapazes de perceber essa sutileza, os roqueiros eram somente jovens incorporados ao sistema, ao espetáculo que assim o eram para vender mais discos e comprar mais drogas; Para a burguesia era uma ameaça a essa estrutura quase aristocrática, sem misturas.
Visto assim, à distância pode-se dizer que o espetáculo não é o melhor lugar para se passar três horas de uma sexta-feira, mas é sim um excelente lugar para reflexão de momentos importantíssimos tanto politicamente como culturalmente que ainda continuam sendo levados em conta nos dias atuais. No fim, é uma boa experiência. Cheguei a dizer a uns amigos que com tantas camadas de possíveis abordagens do espetáculo, ele não se torna uma torta deliciosa, mas uma broa comum, morna, mas que serve para um café.
por Luiz Antônio Ribeiro
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Talvez uma broa escrota.
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