O que Argel dos anos quarenta tem em comum com o Rio de Janeiro de 2009? Provavelmente muito pouca coisa. Mas talvez o sentimento de Meusault diante a sua vida medíocre, seja o mesmo que de muitos brasileiros que como ele vivem apenas para sobreviver. O protagonista e narrador de “O Estrangeiro” romance de Albert Camus é um funcionário público que não tem grandes pretensões, trabalha como meio de subsistência, namora apenas para ter sexo e não tem intenção alguma de estabelecer uma família, mas quando sua namorada o questiona sobre constituir um matrimônio, ele decide casar apenas por causa dela, por ele continuaria tudo como antes...A sua perspectiva de vida é apática, sem emoção, ele é um estranho para sociedade, quando sua mãe morre, ele não demonstra dor ou qualquer tipo de sentimento.
É justamente nesse ponto que o espetáculo em cartaz no Teatro do Jóquei inicia. A versão teatral do romance feita por Morten Kirkskov e traduzida por Liane Lazoski, transforma o livro em um monólogo, onde Meusault é o narrador de sua própria história. E como é narrar a sua própria história sem tomar partido? Para a personagem em questão é até fácil, ela está a margem das suas próprias emoções, ele não se deixa envolver, não é um homem frio, ele simplesmente não se importa. O que vale é o prazer do corpo naquele momento. Ele nos conta que é o dia do enterro da mãe, ele vai até uma cidade perto de Argel para enterrá-la, volta, vai ao cinema com a namorada, encontra um amigo, e vai pausadamente nos contando o seu dia, enquanto se veste. E quando descobrimos o porque deste homem estar se vestindo lentamente e nos contando a sua trajetória de vida até então é que temos uma revelação que faz mudarmos totalmente a nossa concepção sobre o que estamos assistindo.
Albert Camus nos pega uma peça, acaba mexendo em nossas emoções, transformando uma personagem que seria condenada por todo nós em vítima. Não uma vitima real, mas uma vitima da sociedade que marginaliza o diferente e isso faz com que sintamos pena e simpatia por Meusault.
É incrível como toda a montagem faz jus ao texto, a direção de Vera Holts é precisa, bem cuidada, pensada nos mínimos detalhes, cada fala, cada gesto tem uma intenção própria. Guilherme Leme está brilhante, conseguindo captar o espírito de um homem indiferente ao mundo. Sua narração/interpretação é perfeita, conseguindo o distanciamento necessário para que entendemos o que está se passando e ao mesmo tempo fazendo que todos caiam na arapuca de Camus e fazendo com que todos sintam piedade desse “estrangeiro”.
O figurino de Guilherme Leme e Vera Holts e o cenário de Aurora dos Campos são econômicos e não poderiam ser diferentes. Ali está o necessário, não imprimem uma marca, nem um estilo, é o básico, assim como a personagem. Vemos em cena uma cadeira e um terno, que Guilherme vai vestindo até chegar ao ápice do espetáculo. A luz de Maneco Quinderé é um pouco mais elaborada, mas sem grandes firulas, mais um acerto da produção.
Um espetáculo limpo, honesto, onde o menos só soma e faz com que a mensagem de Camus esteja presente no palco.
terça-feira, 23 de junho de 2009
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