segunda-feira, 22 de junho de 2009

Maria Stuart - Imobilidade e movimento, aprisionamento e liberdade. Tensionamentos do trágico.

A montagem teatral de “Maria Stuart”, texto de Friedrich Shiller, tradução de Manuel Bandeira, direção Antonio Gilberto, tem por desafio maior a realização de uma obra extremamente verborrágica em tempos em que vivemos o império da imagem. Como propor nos dias atuais uma montagem de tão longa duração e tão marcantemente logocêntrica? A imensa massa textual é deglutida pelo público com relativa facilidade em virtude de um trabalho de esmerado empenho de compreensão da obra escrita por parte dos atores e também pela implementação de uma minuciosa limpeza gestual e visual da cena. A imensa gama de informações textuais contrasta-se com uma visualidade pouco ou nada apelativa.

A respeito da trama, diz Pedro Sussekind (preparador teórico junto com Roberto Machado) em texto anexado ao programa da peça, “Todo o enredo gira em torno de forças entre a condição sensível de aprisionamento e a dignidade moral”. Assim, vemos Maria Stuart (Julia Lemmertz), rainha da escócia capturada e enclausurada, aguardando a sentença a ser promulgada por sua prima e rainha da Inglaterra Elizabeth (Clarice Niskier). O fato de ambas serem lideres de Estado e mulheres em tempos de evidente dominação masculina, bem como o parentesco entre ambas, são os fatores que geram a expectativa de que Elizabeth se compadeça de Maria Stuart. Mas no caminho da esperança dessa absolvição encontra-se uma complexa teia de questões políticas. Elizabeth não pode se deixar compadecer facilmente porque assim daria prova a seus críticos de que, por ser mulher, não estaria apta a ser também governante por não saber tomar decisões firmes e livres de sentimentalismos. Daí uma composição coerentemente quase masculina de Clarice Niskier que transmite a perfeita imagem da rainha livre que, no entanto, é obrigada a sempre duvidar de seus impulsos e das opiniões de seus conselheiros. Daí sua rigidez de movimentos e sua impostação vocal quase sempre pausada e grave. Julia Lemmertz compõe também coerentemente uma Maria Stuart que oscila entre a ânsia de salvar-se através de uma absolvição que poderá ocorrer somente à custa de sua dignidade, pois se faz necessário calar sua revolta mais genuína a fim de conquistar um veredicto favorável de sua prima. Seus movimentos são sutis, e sua fragilidade reivindica sempre um estado máximo de exposição e privação a que um ser humano pode estar sujeito, um estado onde a sua capacidade retórica a favor da própria vida poderá ser abalada a qualquer momento por seus instintos mais básicos de reação à injustiça.

A privação dos impulsos, um caminhar sobre ovos para poder transitar entre conexões políticas da trama, são os elementos dramaturgicos que justificam a opção por uma direção de atores calcada numa atmosfera de contenção e controle gestual que se apresentam em oposição às extremas tensões internas das personagens. A relação cênica de economia gestual em face dos extremos movimentos do texto possibilita uma apreensão segura da trama por parte do público. A limpeza visual do cenário também.

Helio Eichbauer assina a Direção de Arte e a Cenografia. Marcelo Pies, o figurino. Tomás Ribas, a iluminação. No centro do palco encontra-se um enorme praticável retangular feito em degraus com placas de madeira aparentemente crua. A base, é claro, com área maior do que o topo. Este praticável servirá a momentos e locais diversos da ação, dependendo do posicionamento dos atores e da iluminação. Além deste praticável, a cenografia conta com um trono ( de Elizabeth ) e um baú ( com os pertences de Maria Stuart ), ambos também de madeira crua. A rotunda preta ao fundo cria ambientes distintos de acordo com a iluminação que se joga sobre ele. Seu cromatismo oscila unicamente entre o vermelho e o negro. Cores que estão também presentes nos figurinos dos atores, tais cores fazem menção tanto às cores do exército real inglês quanto possibilitam uma via metafórica de conexão com o sangue e a morte. A crueza das cores remetem ao ensejo romântico de busca pela essencialidade, pela naturalidade, pelo primitivismo, em detrimento do aprisionamento do indivíduo pelas linhas de força civilizatórias.

E é essa a essência trágica de Maria Stuart. Personagem que tenta sem sucesso agir de acordo com a razão, mas é traída por seu senso mais natural e básico de dignidade humana. E decorre daí paradoxalmente sua aniquilação e sua liberdade. Nas palavras de Shiller, como frisa Pedro Sussekind: “expulsos de toda fortificação que pode formar uma defesa física, atiramo-nos dentro da invencível fortaleza da nossa liberdade moral, e ganhamos uma segurança absoluta e infinita”.

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