domingo, 21 de junho de 2009

Rio de Janeiro – Uma cidade bipartida por seus teatros

A distribuição das salas de teatro cariocas reflete de forma clara a divisão sócio-economica da cidade. Enquanto a maioria se encontra na zona sul, temos somente 3 teatros de expressividade na zona norte (Ziembinski [que no momento se encontra em obras], Sesc Tijuca e Teatro Miguel Falabella [localizada no Norteshopping]) e mesmo assim o circuito de peças entre essas 2 grandes zonas da cidade raramente se encontram. A maioria das antigas salas culturais (de teatro e cinema) se encontram hoje tomadas pelas grandes igrejas evangélicas da cidade.

Há uma discussão no meio teatral sobre a importância da formação de público, no entanto as próprias companhias e produtoras teatrais muitas vezes se recusam a trazer suas peças pra essa parte da cidade. O resultado é que o teatro experimental, contemporâneo e engajado se fixa somente na zona sul e a maioria das peças se constitui em relação ao gosto dessa maioria abastada da cidade. O que chega a zona norte são peças de menor orçamento, besteiróis e peças quase exclusivamente comerciais – salvo raras exceções. O teatro forma opiniões e consciências e esse fato corrobora para aumentar cada vez mais as discrepâncias de pensamentos entre esses dois “Rios de Janeiro”.

Existe um projeto implantado pela prefeitura, as chamadas lonas culturais que surgiram como forma de atender essa demanda de público ‘sem-teatro’. No entanto o que era para ser uma resolução temporária acabou se mostrando permanente. O teatro, sendo cultura, também é uma forma de identidade de um grupo social. As tendas evidenciam o descaso das autoridades em relação àquelas comunidades. Porque somente a zona sul é capaz de ter seus próprios teatros, bem feitos, bem aparelhados com toda infra-estrutura necessária para uma peça de qualidade?

Além disso, existem também a dificuldade de transporte entre os teatros e a zona mais pobre da cidade (além dos horários dos espetáculos que restringe significativamente a oferta de meios de transporte público) e o preço dos espetáculos que é totalmente inacessível a essa camada da sociedade carioca. O público acaba não conhecendo e passando a não gostar de teatro. Os jovens acreditam que teatro é uma coisa chata e cara, quando muitas vezes nunca teve contato com essa manifestação cultural. Cria-se um “pré-conceito” extremamente perigoso junto a uma faixa etária que está em formação.

A zona norte quer e precisa de políticas públicas que mudem esse quadro imediatamente. No entanto sem um movimento de interesse artístico agindo paralelamente o problema não poderá ser resolvido. É necessário um teatro para dialogar com essa população pois a segmentação do publico teatral carioca ,ao contrário do que possa parecer para pessoas que não vivam essa realidade, não é uma questão de opção. E isso tem que ser transformado. O teatro surgiu como uma forma de agregar pessoas, desagregar (forçadamente) me parece ir contra ao caráter mais intimo dessa forma de arte.

3 comentários:

  1. O que falta é alguém com inteligência na administração da verba, destinada às políticas culturais.

    Infelizmente, o grande problema dos gestores é acreditar que estão trabalhando em prol da cultura e resolvendo o problema da desigualdae social, inaugurando salas de espetáculos em bairros distantes, lonas culturais e similares, acreditando que, com isso, vão eliminar de vez a 'ignorância' da população que mora nas regiões mais afastadas dos grandes centros.

    Mas se não há uma política de continuidade dos projetos que dão certo - e esta é a grande questão, ao meu ver: reconhecer o que deu certo, porque vem o governo seguinte e muda tudo - a ignorância e a dificuldade de acesso continuarão reinando. Qual é a programação das lonas culturais atualmente?

    Em Marechal Hermes e em Campo Grande, por exemplo, tem dois teatros praticamente entregue às moscas. Falta público? Claro, não há investimento em formação de plateia, não há meios de tornar aquele espaço útil e agregador, não há atividades permanentes de criação e que os torne participantes ativos daquele espaço, não há nada! E aí o produtor vai querer perder dinheiro e tempo pra apresentar um trabalho mais elaborado para esta platéia? Que estímulo este sujeito terá para ir até um lugar onde, pessoas cansadas que retornam de seus trabalhos em ônibus geralmente lotados, nem pensam em se distrair indo assistir a uma peça em cartaz?

    E, quer queira, quer não, quem tem que enxergar este problema é a secretaria de cultura. São eles que tem a verba. Eu duvido que, se houvesse um edital, destinando às companhias o direto de ocupar os espaços abandonados, com uma verba sustentável para estes profissionais, com a extrema liberdade de gerir o dinheiro para a função que lhes foi destinada, sem que eles se desviem de suas finalidades, talvez a situação seria outra.

    Acredito que não basta só ter teatro, é preciso ter uma política que dê conta de uma infra-estrutura voltada para manutenção destes espaços, só assim, poderemos ter novamente todos os espaços teatrais (zonas norte, sul e oeste) apresentando todo tipo de repertório, desde os besteiróis até os espetáculos com uma linguagem mais apurada.

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  2. "O resultado é que o teatro experimental, contemporâneo e engajado se fixa somente na zona sul e a maioria das peças se constitui em relação ao gosto dessa maioria abastada da cidade."

    Pego esse trecho pra ser aqui combativo a uma idéia que paira no ar... costuma-se associar muito uma linguagem dita "contemporânea" a uma forma de engajamento... há poucos dias assisti "In On On It" no Oi futuro. É contemporâneo? É metalinguístico? É teatro falando de teatro? É a materialidade da obra e blá, blá, blá? É ! Mas e daí? O que mais me vem à mente foi ter ido assistir num dia em que era uma 'apresentação especial para estudantes de teatro' e depois de encarar algo em torno de 4 horas na fila, muitas pessoas voltaram pra casa sem conseguir assistir porque menos da metade dos ingressos (de uma casa já pequena) foi de fato distribuído. Como ignorar isso ?
    E outra questão me vem à mente para se falar de engajamento... para as pessoas não iniciadas, não adianta tua linguagem ser muito cifrada. Esse negócio todo de busca pelas "ditas" novas linguagens corre sim o risco de cair em punhetação estética de quem vai ao teatro para gozar não com a obra em si. Mas com o fato de tê-la entendido.

    É como se diz por aí... todo mundo quer ser Marcel Duchamp... o ovo de colombo todo mundo quer botar em pé... e por aí vai.

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